Do sonho à realidade: “Sou Bruna, sou mulher e isso foi reconhecido pela Justiça”
Um caso importante para a luta das transexuais teve desfecho nesta quarta-feira, 13 de dezembro. Após três anos de luta, o processo de Bruna de Sousa Silva é concluído no Tribunal de Justiça para garantir direitos que ela já tem: ter o sexo feminino na certidão com o registro de seu nome social. Bruna conquistou o direito à alteração de seu nome e gênero no registro de nascimento graças à ação de retificação elaborada pela Defensoria Pública do Ceará que acompanhou todo o caso até a recente decisão do desembargador Carlos Alberto Mendes Forte.
A defensora pública Francilene Gomes explica que inicialmente o Juízo a 2a Vara de Registros Públicos da comarca de Fortaleza entendeu que Bruna poderia alterar seu nome, mas não seu gênero no registro. O Ministério Público pediu a desconstituição da sentença da 2a Vara, solicitando que nenhuma alteração fosse feita e que fosse mantido o nome original de Bruna por entender que a ausência de laudo médico psiquiátrico demonstra fragilidade da prova da transexualidade. A Defensoria Pública recorreu da decisão, com apresentação do laudo psiquiátrico no 2o Grau.
Bruna S. S., de 32 anos, conta que o nome masculino só existia no papel, pois se reconhece plenamente como sendo do sexo feminino. “É o gênero que sempre me vi e o nome que escolhi pra mim. Passei por muitos constrangimentos em alguns ambientes que eu ia, como faculdade e hospitais, onde era necessário apresentar meu documento de identidade”, relembra. Por isso, ela buscou na Justiça, com apoio da Defensoria, a adequação do nome e do gênero no registro civil. “A Defensoria teve um papel muito importante neste processo que durou três anos. Essa decisão foi fundamental para meu bem-estar psicológico e social também. Acredito que muitas outras pessoas terão coragem de lutar para serem reconhecidas pela Justiça. Estou muito feliz com esta sentença favorável, após uma longa jornada para ser reconhecida. Sou Bruna, sou mulher e isso foi reconhecido pela Justiça”, emociona-se a estudante de Educação Física.
Em sua decisão, o desembargador Carlos Alberto Mendes Forte escreveu que “não é razoável que uma pessoa seja tratada civilmente como se pertencesse ao sexo designado pelo nascimento quando se identifica psicologicamente e se apresenta publicamente pelo seu gênero psicológico, dado que a identidade sexual encontra proteção nos direitos da personalidade e na dignidade da pessoa humana, ambos previstos na Constituição”.
Ele classificou como “incoerente” a decisão que permitiu a alteração do nome, mas que manteve o registro do gênero de nascimento, trazendo constrangimento à pessoa e violando o direito da personalidade quanto à identidade, privacidade, saúde mental e liberdade. A decisão ratifica o entendimento dado pela Defensoria desde o início do caso, que teve a petição inicial feita pela defensora pública Mariana Lobo que considerou que a pessoa transexual para ter uma vida digna necessita da preservação dos seus direitos à personalidade.
O desembargador entendeu ainda que condicionar a retificação civil à submissão de cirurgia de adequação sexual e/ou terapia hormonal é um desrespeito à dignidade humana e uma exigência que caracteriza sanção a transexual. “A exigência da cirurgia, em vez de materializar o exercício da liberdade, do direito de personalidade e do princípio da dignidade da pessoa humana, acaba por caracterizar, na realidade, uma tentativa de fuga à discriminação”, escreveu o magistrado.
O entendimento foi comemorado pela defensora Francilene Gomes. “É muito grato para nós da Defensoria que acompanhamos o caso no segundo grau ver o direito da Bruna reconhecido. A Defensoria Pública fez valer o princípio maior da Constituição Federal – a dignidade da pessoa humana. Parabenizamos o Tribunal de Justiça por ter uma visão inclusiva considerando os aspectos sociais do Direito moderno e trazendo esta decisão que é uma resposta importante para os anseios das pessoas trans”, disse.