Vinte e seis pessoas puderam ser enterradas pelos seus pares graças à parceria da Defensoria Pública e Pefoce
A Defensoria Pública do Ceará, por meio do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC), tem um trabalho contínuo na tramitação de liberação de corpos, junto à Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), órgão vinculado à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Recentemente, ganhou repercussão nas mídias sociais e na imprensa o caso do morador de rua Cláudio Henrique Ferreira, 49 anos, que perdeu no dia 25 de julho a companheira Ana Paula. Cláudio enfrentou dificuldades para retirar o corpo da esposa, também moradora de rua, por conta da ausência de documentos básicos de identificação, e de papéis que comprovassem a relação entre os dois. O Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua (Centro Pop) encaminhou a demanda à Defensoria Pública do Ceará.
Desde 2014, casos como este são acompanhados pela Defensoria Pública do Estado do Ceará que conseguiu, por meio de uma parceria com a Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), soluções extrajudiciais importantes para pessoas que seriam, caso não houvesse atuação, enterradas como indigentes. Só este ano, 26 atuações extrajudiciais nesse perfil tiveram uma solução, graças à parceria. Destes, 15 eram de moradores de rua. “Em casos de falecimento de moradores de rua, o contato conosco é feito pelos Centros de Referência Especializado para a População em Situação de Rua (Centro Pop) ou pelo próprio assistido ou parente da vítima. São casos de extrema vulnerabilidade, pois estas pessoas sequer documentação de parentesco possuem. Nós atuamos no sentido de devolver dignidade, pois ao enterrar o parente ou companheira, como o caso do Seu Cláudio, é uma deferência à memória e a história que traçaram em vida”, Weimar Salazar Montoril, defensor do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas.
O defensor explica que o caso de Cláudio, que ganhou às redes sociais, foi um caso atípico, pois a companheira tinha família, mesmo que não mais em seu convívio social, que pudesse atestar sua identidade em um processo de reconhecimento do corpo chamado de papiloscopia. “A mobilização nas redes ajudou a encontrar a filha da falecida e esta reconheceu a mãe e entregou o corpo ao companheiro para que promovesse o enterro, no entanto, os casos mais recorrentes são de moradores de rua que não possuem qualquer registro social. Por regra, a Pefoce só libera um corpo com a documentação da vítima e para alguém que comprove o parentesco. A Defensoria atua justamente na ausência desta documentação e, preferencialmente, de forma extrajudicial para ser mais ágil o trâmite”, destaca. Cláudio pode enterrar a companheira no dia 04 de agosto, 10 dias após o falecimento, em cemitério no Bairro Bom Jardim. Ele diz que fica mais tranquilo de saber onde ela estará. “A saudade tá grande. Não sei mais como serão meus dias sem meu amor”, disse.
A parceria entre Defensoria Pública e Pefoce teve início há dois anos, quando a titular do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas, hoje defensora geral do Estado do Ceará, Mariana Lobo, iniciou as tratativas com o perito geral do Estado do Ceará, Maximiano Leite Barbosa Chaves, para atuarem de forma administrativa entre os órgãos. Ela explica que antes a liberação de corpos não identificados, mas que possuíam pessoas requerendo e que não apresentavam a documentação legal exigida, dependia de alvarás judiciais, que demoravam cerca de 90 dias. “Hoje, a parceria se estendeu para todos os casos de falta de documentação, conseguimos de forma ágil a liberação e, geralmente, os casos mais demorados são os que precisamos aguardar o resultado do exame de DNA, que ainda assim saem antes do esperado. O nosso diagnóstico é que os moradores de rua são o elo mais frágil e vulnerável nesta relação, pois a carência de políticas específicas dificulta sua cidadania. Mas acreditamos que podemos construir conjuntamente as respostas que dignifiquem a vida e façam valer os direitos dos mesmos até na hora de enterrar seus pares”, finaliza.
De acordo com Renato Evando Moreira Filho, coordenador da Coordenadoria de Medicina Legal (Comel) da Pefoce, o método mais simples para a identificação de um corpo é o confronto da digital. “Temos um Núcleo de Necropapiloscopia que faz o confronto em questão de minutos. Se a impressão do documento for compatível com a do cadáver, nós entregamos o corpo. Portanto, os familiares devem levar um documento da vítima que tenha impressão digital para que possamos fazer o teste. Outras formas de identificação são pela análise da arcada dentária e o exame de DNA, que confirma se quem forneceu os dados genéticos é parente do morto, mas não indica a identidade do cadáver”, esclareceu Renato.