top of page
materia-socioafetividade-Gabriela-27-jan1.jpg

Família consegue liberação para sepultar corpo de vizinha

“Ela faleceu e estão querendo enterra-lá como indigente”, lamenta o mecânico João Ivo da Silva que procurou o Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) da Defensoria Pública, para conseguir a autorização para liberar o corpo de Maria de Lourdes Lopes, com quem morava há mais de três anos.

Maria de Lourdes Lopes de 71 anos, natural de Nova Russas, veio à Fortaleza ainda muito jovem à procura de trabalho e deste então perdeu contato com a família. No ano de 2013, depois que ficou com a saúde debilitada uma vez que morava sozinha, dona Lourdes fez um pedido para que o vizinho a acolhesse em casa. “Ela não conseguia mais se alimentar sozinha e aí me pediu para cuidar dela. Ela não tem filhos e a gente nunca viu nenhum parente dela indo visitar. Um dos últimos pedidos dela foi para que eu não deixasse ela ser enterrada como indigente”, relembra João Ivo, que tinha dona Lourdes como mãe.

No sábado, dia 21 de janeiro, Maria de Lourdes veio a óbito, em casa, por volta das 5h. Segundo João Ivo, depois que chegou no Instituto Médico Legal (IML) foi informado de que a liberação do corpo da aposentada só ocorreria caso alguém da família biológica apresentasse os documentos que comprovassem o parentesco e que, caso não ocorresse, depois de 30 dias o corpo seria enterrado como indigente. “Ela tem documentos, residência, como podem enterrar como indigente? A gente não conhece a família dela. Ela não tinha contato com eles, por isso não quiseram liberar o corpo pra gente enterrar ela com dignidade”, afirma João Ivo que recorreu ao Núcleo de Direitos Humanos (NDHAC) da Defensoria Pública depois de passar pelo fórum e por cartórios para comprovar que era responsável por Maria de Lourdes.

João Ivo conseguiu a liberação para sepultamento do corpo de dona Lourdes na segunda-feira, dia 23, após apresentar os documentos e a declaração das testemunhas que também eram vizinhas da aposentada. “Foi muito rápido. No mesmo dia saiu a liberação e na terça-feira de manhã fui no IML para liberarem o corpo. Agora a gente sabe que ela descansa em paz” declarou.

O Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) firmou uma parceria com a Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), órgão vinculado à Secretária da Segurança Pública do Estado do Ceará (SSPDS), e desde 2014 atua na tramitação da liberação de corpos, de forma extrajudicial. Segundo Alexandra Rodrigues de Queiros, defensora pública que atua no NDHAC, nos casos de comprovação de socioafetividade, o declarante precisa apresentar seus documentos de identidade, os documentos do falecido, comprovante de endereço e a declaração de uma testemunha que ateste o vínculo socioafetivo. “Depois que a comprovação é apresentada, a Defensoria envia junto com os documentos, o termo de declaração e o ofício para o IML, a fim de que saia de imediato a liberação do corpo. O processo é rápido, o que pode gerar um atraso não é nem a questão do parentesco e sim da documentação. Na maioria dos casos, o falecido não possui mais nenhum tipo de identificação ou não tem mais contato com nenhum parente”, afirma a defensora.

A parceria entre Defensoria Pública e a Pefoce teve início quando a titular do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas, hoje defensora geral do Estado do Ceará, Mariana Lobo, iniciou as tratativas com o perito geral do Estado do Ceará, Maximiano Leite Barbosa Chaves, para atuarem de forma administrativa entre os órgãos. Ela explica que antes a liberação de corpos não identificados, mas que possuíam pessoas requerendo e que não apresentavam a documentação legal exigida, dependia de alvarás judiciais, que demoravam cerca de 90 dias. “Hoje, a parceria se estendeu para todos os casos de falta de documentação, conseguimos de forma ágil a liberação e, geralmente, os casos mais demorados são os que precisamos aguardar o resultado do exame de DNA, que ainda assim saem antes do esperado. O nosso diagnóstico é que os moradores de rua são o elo mais frágil e vulnerável nesta relação, pois a carência de políticas específicas dificulta sua cidadania. Mas acreditamos que podemos construir conjuntamente as respostas que dignifiquem a vida e façam valer os direitos dos mesmos até na hora de enterrar seus pares”, finaliza Mariana Lobo.

registro.jpeg

Essa matéria faz parte de uma série de reportagens produzidas pela Defensoria Pública do Ceará relatando casos, acompanhados pela instituição, de ausência ou retificação do registro civil.

bottom of page