Família socioafetiva consegue sepultar ex-morador de rua
“A única certeza que nós temos é que iremos morrer. E eu acho que merecemos pelo menos ser sepultados de forma digna, não é?”. A frase é da dona de casa Maria Pereira da Silva após conseguir, por meio do núcleo da Defensoria Pública em Tauá, a autorização para liberar o corpo de um amigo que morava com ela, Anastácio Saraiva.
O senhor de 75 anos, natural de Boa Viagem, era morador de rua e percorreu 120km a pé até chegar em Tauá. No ano de 1998, o marido de dona Maria, Francisco José da Silva, o “Chico Paraibano”, conheceu Anastácio e o acolheu em sua casa como um membro da família. Carinhosamente apelidado de “véi”, Anastácio morou na casa de dona Maria durante 14 anos até ser assassinado brutalmente, no dia 06 de janeiro de 2017. “Foi muito triste o que aconteceu. Eu tinha ele como pai. Ele era uma pessoa boa, de coração simples. Além de passar por essa dificuldade, ainda tivemos esse impedimento de liberar o corpo, pois não temos nenhum vínculo familiar”, explica Maria Pereira da Silva.
Após a morte, o corpo do senhor foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) de Tauá. No dia 9 de janeiro de 2017, o IML negou a liberação do corpo para sepultamento alegando que somente um membro da família biológica da vítima poderia fazê-lo. A dona de casa, então, procurou a Defensoria Pública de Tauá para tomar as medidas legais cabíveis com o objetivo de conseguir a liberação do corpo do falecido para sepultamento digno por parte de sua família socioafetiva, evitando-se, portanto, ser enterrado como indigente.
Para comprovar a socioafetividade, dona Maria juntamente com a sua família, redigiu a punho uma declaração da história da chegada do senhor em sua casa. O documento foi assinado por toda a sua família. Além disso, dona Maria diz que Anastácio, o “véi”, tinha participação total na organização familiar. “Nós fizemos questão, inclusive, de colocá-lo como beneficiário do nosso plano funerário familiar”, destaca. O documento legal da participação no plano foi utilizado como mais uma comprovação da socioafetividade, nos autos do processo.
No dia 10 de janeiro de 2017, a família retornou à Defensoria com a declaração de óbito assinada pelo médico do IML de Tauá, o último documento necessário para ingressar com o pedido de alvará. O defensor público Leonardo Fulgêncio, que esteve à frente do caso, diz que “a ação de alvará judicial foi proposta com pedido de urgência para que o Ministério Público apresentasse parecer e para consequente decisão do juiz da 2ª Vara de Tauá. No final da tarde do mesmo dia, após parecer favorável do Ministério Público, o pedido da ação foi julgado procedente e expedido o competente alvará para liberação do corpo para sepultamento”.
Após o trabalho da Defensoria Pública no caso do sr. Anastácio, a família dele, representada pela dona Maria, foi à Rádio Cultura de Tauá agradecer o desempenho da instituição na celeridade e mobilização para solucionar o caso.
Parceria com a Pefoce
A Defensoria Pública do Ceará tem um trabalho contínuo na tramitação de liberação de corpos, junto à Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), órgão vinculado à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
Desde 2014, casos como este são acompanhados pela Defensoria Pública do Estado do Ceará que conseguiu, por meio de uma parceria com a Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), soluções extrajudiciais importantes para pessoas que seriam, caso não houvesse atuação, enterradas como indigentes. Só no ano de 2016, 26 atuações extrajudiciais nesse perfil tiveram uma solução, graças à parceria. Destes, 15 eram de moradores de rua.
A parceria entre Defensoria Pública e Pefoce teve início há dois anos, quando a titular do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas, hoje defensora geral do Estado do Ceará, Mariana Lobo, iniciou as tratativas com o perito geral do Estado do Ceará, Maximiano Leite Barbosa Chaves, para atuarem de forma administrativa entre os órgãos.