Mulher sem certidão de nascimento não consegue registrar os filhos
Antônia Marília Menezes Cavalcante é o nome completo da assistida que procurou a Defensoria Pública do Estado do Ceará. Seu nome é esse, mas poderia ser qualquer outro. Outro sobrenome, outro prenome e outro registro. Isso se dá porque Marília nunca teve documento algum. A jovem nunca foi registrada no cartório. Seu nome e sua identidade não existem para além dela mesma.
Por causa da situação da dona de casa, ela não tem certidão de nascimento, carteira de trabalho, RG ou CPF. Ela diz que nunca priorizou sua documentação e que nunca teve dificuldade alguma por causa disso. “Eu nasci aqui em Fortaleza, mas, assim que nasci, fomos morar em Boa Viagem. Eu já não havia sido registrada, ai a casa que a gente morava pegou fogo e minha mãe não tinha como me registrar. Sempre trabalhei sem carteira assinada e não me preocupava com isso”, explica.
O cenário para Marília, todavia, mudou em 2016. A jovem teve seu primeiro filho e não conseguiu registrá-lo. Este ano, Marília teve seu segundo filho e a situação foi a mesma. “Eu me culpei muito e agora vou atrás dos meus documentos por eles. Não consigo levar eles na creche, no hospital, eles sequer são vacinados. Tudo porque não têm documento. Hoje, quando um deles fica doente, levo na rezadeira e alimento bem. Tem dado certo, mas não posso confiar apenas isso”, lamenta.
De acordo com a defensora pública e supervisora do Núcleo Central de Atendimento, Andréa Rebouças, todos os dias pessoas recorrem à Defensoria Pública reclamando a ausência do registro de nascimento por inúmeros fatores. “São pessoas que passam uma vida inteira sem acesso aos direitos básicos, sem acesso à cidadania e que só buscam por atendimento desta natureza quando se encontram em uma situação extrema, como é o caso da Marília. É importante esclarecer que há maneiras jurídicas simples para providenciar o registro, direito fundamental e pressuposto para a cidadania”, frisa.
Marília nunca estudou. “Eu só quero conseguir tirar minha documentação, quero poder trabalhar, iniciar e terminar meus estudos, tudo pelos meus filhos. Não sei ler, muito menos escrever, mas sei que tenho direito de ter documento”, persiste. A jovem percorreu onze cartórios da Capital para conferir se não havia registro em seu nome, com todas as negativas em mãos, agora segue com o procedimento iniciado pelo Núcleo Central de Atendimento da Defensoria Pública do Ceará para conseguir o registro.
Para chamar a atenção da população sobre o tema, neste ano a Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) lança a campanha “Defensoras e Defensores Públicos pelo direito à documentação pessoal: onde existem pessoas, nós enxergamos cidadãos”. O objetivo é mostrar à sociedade que a Defensoria Pública pode ajudar o cidadão a obter e/ou retificar a documentação básica e que ela é primordial para o exercício da cidadania. A iniciativa tem apoio da Defensoria Pública e do Colégio Nacional de Defensores Gerais (Condege), além das associações estaduais de defensores públicos.
Números – Em 2017, a Defensoria Pública do Ceará registrou mais de mil atendimentos na área de registros, envolvendo mudanças de nome, registro de documento, retificação de certidões, dentre outros. Somente para corrigir dados errados no registro de nascimento foram 538 ações judicializadas. Em setembro de 2017, entrou em vigor a Lei nº 13.484, que alterou o art. 110 da lei de registros públicos, ampliando as possibilidades de alterações permitidas nos Cartórios de Registro Civil, sem mais a necessidade de encaminhar o pedido ao Judiciário. Pela nova legislação, podem ser corrigidos nos cartórios erros simples, que possam ser comprovados de forma imediata, não exigindo uma maior investigação sobre a veracidade da correção.